Sem transferir as matrizes energéticas para fontes de geração de energia limpa, não será possível limitar o aquecimento global a 1,5 C° em relação à era pré-industrial, como rege o Acordo de Paris, firmado em 2015. Em resumo, esse é o conceito de transição energética, que tem sido o norte das principais empresas desse setor no Brasil e no mundo.
No caso da Cemig, essa incumbência conta com um processo estruturado para gerar inovação com startups, o Inova Cemig.Lab.
Lançado no ano passado, o programa visa capacitar técnica, financeira e mercadologicamente startups que apresentem soluções para acelerar a transição energética. Afinal, como explicou o diretor de Meio Ambiente, Estratégia e Inovação da Cemig, Maurício Dall’Agnese – apesar da evolução de fontes de geração de energia limpa, como eólica e solar – há ainda a necessidade de desenvolvimentos de infraestrutura – essencialmente nas linhas de transmissão e distribuição (o grid) – para que o setor de energia alcance o potencial necessário de geração renovável para abastecer o planeta em uma economia que ruma ao net zero carbono até 2040.
“A nossa missão é acelerar a contribuição para a transição energética, ajudando clientes e toda a cadeia de valor de energia a se descarbonizar, eliminando combustíveis fósseis e adotando novas tecnologias mais sustentáveis”, confirmou ele.
Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista cedida pelo especialista e publicada no site Próximo Nível.
O que é e em qual status está o Inova Cemig.Lab?
O Inova Cemig é nosso programa de inovação, com foco estratégico em liderar a transição energética. Embora seja um programa de inovação, é também um programa de negócios com múltiplas frentes. Temos dois componentes principais: o programa Inova Cemig.Tec, voltado a projetos de pesquisa e desenvolvimento e realizado em parceria com institutos de ciência e tecnologia, universidades e empresas. Esse programa existe há cerca de 20 anos e já produziu muitos projetos importantes. Em outra frente, mais recente, temos o Inova Cemig.Lab, um programa de inovação aberta exclusivamente voltado à aceleração de startups. Oferecemos as instalações da Cemig como um grande laboratório de inovação, com ativos que podem ser usados para testar produtos. Oferecemos apoio técnico e financeiro, que pode chegar a R$ 1,6 milhão por startup, além de um contrato de fornecimento da solução desenvolvida com a Cemig.
Quais os resultados do programa até o momento?
Lançamos dois ciclos com desafios para startups. No primeiro, recebemos cerca de 140 propostas de startups de vários países e selecionamos 12 para contratação, com um investimento total em torno de R$ 17 milhões. No segundo ciclo, lançamos 15 desafios e estamos atualmente discutindo a configuração das soluções com as startups. Esperamos contratar mais 15 startups nas próximas semanas. Já estamos trabalhando no terceiro ciclo, que deve ser lançado também nas próximas semanas, com 15 novos desafios.
Como o Inova Cemig.Lab está alinhado à missão de transição energética da Cemig?
A sustentabilidade, bem como as melhores práticas de ESG e a transição energética estão no DNA da Cemig. Nossa história de iniciativas de sustentabilidade remonta à década de 1970. Hoje, a Cemig é uma empresa 100% limpa e renovável, além de ser pioneira no descomissionamento de termelétrica a óleo combustível. Somado a isso, participamos do Pacto Global da ONU, com o compromisso de nos tornar Net Zero até 2040, e já reduzimos as nossas emissões em 50% nos últimos anos. A nossa meta é acelerar a contribuição para a transição energética, ajudando nossos clientes, fornecedores e toda a cadeia de valor de energia a se descarbonizar, eliminando combustíveis fósseis e adotando novas tecnologias.
Os desafios da transição energética ainda demandam muitos desenvolvimentos e é aí que entra um programa de inovação, para suprir esses desafios. No fundo, portanto, a nossa atividade principal não é vender energia, mas sim fazer uma atuação integrada nesse conceito de transição energética.
Você falou sobre os desafios da transição energética. No contexto brasileiro, qual seria o maior deles, na sua avaliação?
Atualmente, são as redes de transmissão e distribuição – chamadas no setor como grid. Isso porque são elas que, no fundo, viabilizam a transição energética. Incorporar fontes renováveis, que são intermitentes e cada vez mais distribuídas, exige uma capacidade de coordenação e operação do sistema muito maior. Por isso, as redes precisam de equipamentos inteligentes, que utilizem conceitos de edge computing e possam se comunicar entre si, gerando uma massa de dados que é gerenciada com tecnologias de inteligência artificial, machine learning e visão computacional. Esses recursos tecnológicos são essenciais para integrar tudo de forma eficaz. O programa de inovação é uma ferramenta para desenvolver soluções.
Sobre o parque de geração da Cemig, qual é a composição atual entre fontes hidráulicas, solares e eólicas?
Nosso parque é 100% limpo, renovável e certificado, com cerca de 95% de energia hidrelétrica atualmente. O restante vem de fontes solar e eólica, e deve crescer com novos projetos nos próximos anos.
Além de nossa geração própria, oferecemos o grid para a conexão de terceiros. Atualmente, temos uma capacidade instalada conectada ao nosso grid de 4 gigawatts e, nos próximos anos, planejamos chegar a 8 gigawatts de geração solar em Minas Gerais, o que contribui para a descarbonização do sistema elétrico brasileiro.
A Cemig anunciou um plano de investimentos de 50 bilhões de reais, mais do que o próprio valor de mercado da empresa, certo?
Exatamente. Esse plano de investimentos é impressionante, com R$ 50 bilhões sendo aplicados entre 2019 e 2028. Para dar uma ideia, se alguém quisesse comprar a Cemig na Bolsa de Valores, o valor de 100% do capital da empresa seria de cerca de R$ 35 bilhões. Ou seja, estamos investindo mais do que o valor da empresa em si. Essa é a nossa aposta no futuro, e quando falamos em investir, isso significa tanto expandir quanto modernizar a rede. Existem digitalizando as subestações antigas, e estamos implementando um grande parque de medidores inteligentes, o que permite acompanhar o consumo em tempo real, entre outras informações.
Vocês também estão investindo em tecnologias de armazenamento de energia, como baterias?
Sim. Entendemos que as baterias são fundamentais para a transição energética. Já temos alguns bancos de baterias em escala de teste, de demonstração e aprendizado técnico, mas também iniciamos a construção do primeiro banco de baterias de escala comercial no Brasil, integrado à rede de distribuição. Além disso, estamos investindo em outras tecnologias de geração sustentável, como hidrogênio verde, eletromobilidade e inteligência artificial. Essas tecnologias estão representadas nos diversos projetos em andamento, tanto na área de inovação como nas áreas de negócio. Em especial, a inteligência artificial, uma tecnologia-chave que viabiliza a integração desses produtos e soluções, tornando tudo mais eficiente.
Pode dar mais detalhes de como a inteligência artificial e a nuvem estão integradas a esses projetos?
Tanto a nuvem quanto a inteligência artificial estão na base de todos os projetos de inovação. Reconhecendo isso, decidimos que era necessário estabelecer uma parceria estratégica para enfrentar esses desafios. Realizamos um processo concorrencial para selecionar parceiros, focando no histórico deles em projetos similares. No caso, a Embratel formou uma parceria com o Google Cloud para participar do nosso processo, o que foi muito positivo para nós. A Embratel é uma referência em telecomunicações e tecnologia da informação, e o Google é líder em serviços de nuvem e inteligência artificial. Isso nos dá uma base sólida para desenvolver os projetos no Inova Cemig Lab, com um contrato de parceria de até cinco anos.
Como essa parceria ajuda na inovação?
A inovação não é uma corrida de 100 metros rasos; é uma maratona. Um prazo mais longo para a parceria com Embratel e Google, portanto, reflete a nossa visão de inovação como um processo contínuo. Embora a parceria seja recente, já temos visto muitos comentários positivos sobre o trabalho das equipes dos nossos parceiros, que estão nos ajudando a encontrar as melhores técnicas e formas de execução. Em breve, acredito que teremos notícias concretas dos primeiros testes e aplicações dessas tecnologias, mas já adianto que a nuvem e a inteligência artificial têm o potencial de transformar todos os nossos processos.
Essas tecnologias também são aplicadas em inspeções e monitoramento de ativos? Pode dar mais detalhes?
Sim. O setor de energia elétrica é caracterizado por muitos ativos físicos distribuídos em áreas amplas. Em Minas Gerais, a Cemig atua em 774 municípios, por exemplo. Para efeito de grandeza, a nossa rede daria, atualmente, cerca de 15 voltas ao redor do planeta. Cuidar dessa imensidão de ativos é um grande desafio e é por isso que estamos implementando tecnologias para uma inspeção e monitoramento inteligentes. O aprendizado de máquina está sendo aplicado para analisar imagens e vídeos, o que nos ajuda a monitorar o cumprimento das normas de segurança pelos funcionários, seja na condução de veículos ou seja no uso de equipamentos de proteção. Também estamos estudando como usar inteligência artificial para analisar projetos. Anualmente, atendemos cerca de 300 mil novos pedidos de conexão, e com um total de 9 milhões de clientes, precisamos otimizar ao máximo todos os processos.
Sobre os novos clientes, como a IA pode melhorar esses processos?
Estamos integrando a IA em todos os processos de negócio. Aplicamos modelos de machine learning para melhorar a manutenção dos equipamentos. Já temos sistemas de visão computacional para monitorar a segurança dos funcionários expostos à situação de risco. Há aplicações de IA e modelos generativos no atendimento ao cliente e análise de pedidos de conexão. Até mesmo a precificação de produtos já conta com modelos inteligentes de previsão.
Quais são as áreas de conhecimento exploradas pelo Inova Cemig.Lab?
Trabalhamos com seis áreas prioritárias de conhecimento: Smart Grid, armazenamento e baterias, geração sustentável de energia, Hidrogênio Verde, eletromobilidade e inteligência artificial. As soluções para os desafios da transição energética envolvem uma combinação destas áreas prioritárias e também outros assuntos. Por exemplo, há um grande desafio de telecomunicação para conectar regiões remotas e gerenciar grande volume de dados.
Realmente há um índice alto de acidentes causados pela necessidade desses dois setores — energia e telecomunicações — mexerem na mesma infraestrutura de postes…
Sim, e isso mostra como essa integração entre telecomunicações e energia traz desafios importantes. Buscamos melhorar a gestão da infraestrutura compartilhada para aumentar a segurança operacional. Por exemplo, usamos IA e outros sistemas para monitorar o uso de EPIs, o que melhora a segurança e reduz acidentes. Do ponto de vista do negócio, a mudança na rede de energia é sem precedentes. Além de conectarmos cerca de 300 mil novos consumidores por ano, observamos uma rede cada vez mais distribuída. A eletrificação da frota automotiva adiciona uma camada nova a essa dinâmica, pois veículos elétricos não apenas consomem energia da rede, mas também podem funcionar como fontes de injeção de energia por meio de suas baterias. Esse fluxo bidirecional, onde carros elétricos e outros microgeradores de energia contribuem com a rede, transforma o modelo tradicional de distribuição de energia.
Em outras palavras, o fluxo unidirecional de energia torna-se mais fluido, com movimentações de gestão e despacho ao longo do dia. Isso exige uma infraestrutura robusta e centros de operações preparados para monitorar e comandar o sistema em tempo real. A Cemig, que já possui um grande volume de clientes com geração distribuída, está respondendo a esse cenário com o upgrade constante no sistema de distribuição.
Fonte: Próximo Nível – Embratel