
Por Felipe Cardoso dos Reis, gerente de Inovação Aberta da Cemig
Em 2024, a Cemig lançou um programa audacioso e transformador, posicionando-se como referência em inovação aberta no setor elétrico brasileiro. Intitulado Inova Cemig.Lab, o programa adota o modelo de Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), utilizando recursos da verba regulada do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento e Inovação (PDI) da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Desde o lançamento, treze startups já foram contratadas para enfrentar desafios estratégicos da empresa, e a expectativa é de que ao menos outras quarenta sejam incorporadas até o final de 2025. Contudo, o sucesso de uma iniciativa dessa magnitude depende de diversos fatores, e o papel do departamento jurídico destaca-se como essencial para o equilíbrio entre a promoção da inovação e a conformidade regulatória.
O setor elétrico brasileiro apresenta um ambiente fértil para o avanço da inovação aberta. O Brasil é o 4º maior mercado de energia do mundo, com uma capacidade instalada superior a 180 GW, dos quais aproximadamente 85% são provenientes de fontes renováveis. Esse cenário cria inúmeras oportunidades para startups especializadas em eficiência energética, digitalização da rede elétrica e novos modelos de gestão da distribuição. Além disso, o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da ANEEL movimenta mais de R$ 1 bilhão, anualmente, proporcionando um canal estratégico para a experimentação e escalabilidade de novas tecnologias. No entanto, apesar do crescente incentivo à inovação, o setor ainda enfrenta desafios substanciais, como perdas técnicas e comerciais na distribuição de energia, que representam cerca de 13% do total distribuído, evidenciando a necessidade de soluções tecnológicas avançadas para monitoramento e mitigação dessas perdas.
Parcerias na inovação aberta
Em contraste com o modelo de inovação fechada, que concentra todos os esforços dentro das organizações, a inovação aberta permite a colaboração com parceiros externos, como startups, universidades e outras empresas. No contexto público, a inovação aberta oferece benefícios amplos. Ao abrir espaço para a colaboração com startups, instituições públicas conseguem desenvolver soluções tecnológicas sob medida para demandas específicas. Além disso, a promoção de inovação no setor público estimula o empreendedorismo, cria um ecossistema de inovação e gera impactos positivos na economia local.
A modalidade CPSI facilita a contratação pública de soluções inovadoras, permitindo que startups testem suas tecnologias em ambientes reais, em colaboração com grandes empresas estatais. No entanto, o setor público também enfrenta desafios substanciais, como a necessidade de aderir a normas rígidas, garantir transparência e superar uma cultura historicamente avessa ao risco, gerando um processo burocrático caro, mas necessário, de forma a proteger os interesses da instituição.
Para Cristiana Maria Fortini Pinto e Silva e Camila Tamara Falkenberg no artigo Acelerando a inovação no setor público: modalidade de licitação da LC 182/21: “A falta de especificações técnicas prévias permite que o mercado ofereça as melhores soluções para cada problema, aumentando a probabilidade de encontrar alternativas mais eficientes e econômicas para o setor público. Isso, por sua vez, possibilita a oferta de serviços públicos de maior qualidade e eficiência à população.”
Contexto na Cemig
Na Cemig, enquanto sociedade de economia mista, esses desafios assumem proporções significativas. A Lei nº 13.303/2016, conhecida como Lei das Estatais, impõe exigências rigorosas para a contratação de bens e serviços, incluindo o respeito a princípios como legalidade, isonomia e publicidade. Além disso, o Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182/2021) trouxe a possibilidade de contratações públicas simplificadas para fomentar a inovação, mas exige critérios claros e objetivos para garantir a igualdade de condições entre as participantes.
O papel do jurídico
Nesse cenário, o departamento jurídico desempenha um papel estratégico na estruturação e execução do programa Inova Cemig.Lab. Desde a implementação do novo marco regulatório, mais de 150 contratos experimentais foram firmados entre startups e entidades públicas, demonstrando um crescimento expressivo no interesse por soluções inovadoras. Essa tendência não é exclusiva do Brasil – nos Estados Unidos, o programa Small Business Innovation Research (SBIR) investe anualmente mais de US$ 3 bilhões na inovação dentro do setor público, promovendo o desenvolvimento de tecnologias de alto impacto.
A atuação do jurídico vai além de garantir a conformidade legal. Ele é o responsável por estruturar contratos robustos, que protejam os interesses da Cemig e das startups parceiras, ao mesmo tempo em que promovem um ambiente de colaboração. Além disso, o departamento jurídico atua como um mediador, assegurando que os direitos de propriedade intelectual sejam devidamente protegidos, tanto para as soluções desenvolvidas pelas startups quanto para os resultados de sua aplicação no ambiente empresarial da Cemig. Essa proteção é vital para evitar litígios futuros e garantir que as inovações beneficiem todas as partes envolvidas.
Outro desafio relevante está na superação de barreiras culturais internas. Empresas públicas e de capital misto, como a Cemig, frequentemente operam em contextos marcados pela aversão ao risco e pela rigidez procedimental. Implementar a inovação aberta requer um esforço significativo para transformar essa cultura organizacional. É fundamental que líderes e colaboradores compreendam o valor estratégico da inovação e se engajem no processo. “Uma das peculiaridades da modalidade licitatória aqui tratada reside no fato de que a administração pública remunera os proponentes contratados não apenas pela entrega de uma solução pronta, mas também pelo esforço de testar sua eficácia. Essa abordagem, ao transferir parte do risco para o poder público, incentiva as startups a apresentarem soluções disruptivas, mesmo que ainda em fase inicial de desenvolvimento.” Nesse sentido, o jurídico também contribui como um facilitador, promovendo a transparência nos processos e a clareza nas parcerias, o que reduz resistências internas e gera confiança entre os diferentes departamentos.
Os desafios do Inova Cemig.Lab
Ademais, a aplicação do modelo de inovação aberta no setor elétrico é um marco que transcende a própria Cemig. Por meio de iniciativas como o Inova Cemig.Lab, é possível alinhar as demandas setoriais às diretrizes regulatórias da ANEEL, que busca fomentar a inovação como um pilar estratégico para o desenvolvimento do setor energético no Brasil. Ao permitir que startups participem diretamente na criação de soluções para desafios críticos, o programa reforça o papel da Cemig como catalisadora de mudanças e promotora de modernização tecnológica no país.
Ainda no artigo, segundo as autoras: “A adoção dessa nova modalidade licitatória no âmbito do Inova Cemig.Lab permitiu que a Cemig avaliasse, de maneira prática e eficiente, o desempenho de produtos e serviços antes de sua aquisição em larga escala, contribuindo para mitigar os riscos inerentes à adoção de novas tecnologias e, consequentemente, conferindo segurança jurídica ao programa.”
Embora o caminho seja desafiador, os resultados esperados são promissores. O Inova Cemig.Lab além de transformar a abordagem da Cemig para a inovação, também cria um precedente para outras empresas públicas seguirem um modelo de colaboração estratégica. A capacidade de equilibrar inovação, transparência e conformidade regulatória é um diferencial competitivo que pode inspirar novas práticas em todo o setor.
Inovação para o setor público e a sociedade
O programa Inova Cemig.Lab exemplifica como a inovação aberta pode ser um instrumento poderoso para modernizar o setor público e gerar valor para a sociedade. No centro desse processo, o departamento jurídico desempenha um papel indispensável, garantindo que a inovação ocorra dentro dos limites legais e em harmonia com os objetivos estratégicos da empresa.
Para melhor entendimento, o artigo das autoras explica: “A LC 182/2021 representa um avanço significativo na forma como o setor público adquire soluções inovadoras, promovendo a eficiência, a transparência e a inovação nos processos licitatórios. Ao estimular a competição entre empresas inovadoras e permitir a aquisição de soluções personalizadas e mais adequadas às necessidades específicas de cada órgão público, a lei contribui para a modernização da gestão pública e para a melhoria dos serviços prestados à população.”
Ao integrar inovação e conformidade, a Cemig se posiciona como uma referência no setor elétrico, e como uma líder em práticas inovadoras no contexto público-privado. O futuro do setor elétrico brasileiro depende da capacidade de equilibrar modernização tecnológica, conformidade regulatória e inovação aberta, e programas como o Inova Cemig.Lab mostram que essa transformação já está acontecendo.
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